Appleton Square: Miguel Palma – Close Up

Folha de Sala da exposição  Close Up de Miguel Palma no espaço Appleton Square. Patente de 17 de Novembro a 10 de Dezembro de 2011.

Close Up é uma instalação de Miguel Palma concebida especificamente para as características espaciais e arquitectónicas do espaço Appleton Square. Nele o artista joga habilmente com esses dados, disseminando a sua instalação por dois pisos e estabelecendo diversas relações de descoberta e sentido à medida que o observador percorre as partes que compõem o seu projecto.

Com um interessante jogo de escalas, de articulação de perspectivas, realidades e movimentos de distância e proximidade, Miguel Palma oferece-nos nesta exposição um peculiar exercício de observação que cruza ludicamente uma visão micro e macroscópica, esbatendo a linha entre o amplo e abrangente plano cósmico e a vida dos corpos e seres do Universo.

Comecemos pelo primeiro piso. O telescópio apresentado, que logo evoca a possibilidade de estender ou ampliar a capacidade dos olhos humanos para observar e mensurar objectos longínquos, é assim o que estabelece a ideia de ver mais longe; a sua localização no espaço expositivo, porém, indicia algo diverso da observação e da recolha de imagens de  corpos estelares e dos múltiplos fenómenos e movimentos cósmicos e celestes que compõem a rotina do vasto universo.

Com efeito, a imagem captada pelo telescópio Schmidt-Cassegrain C6-SGT, simultaneamente transmitida em registo vídeo no piso inferior, mostra-nos uma outra realidade, desvendada a partir de uma escala reduzida: um casal (de bonecos) a praticar actos sexuais,  recriando um outro movimento, também ele universal e cósmico, mas íntimo. A revelação interpela-nos pela sua forma muito particular de voyeurismo desmesuradamente ampliado. Como se a desproporção caricatural entre meios e fins expusesse uma verdade oculta sobre os mecanismos que regem a nossa percepção e recepção de espectadores ao que nos é dado a ver – na exposição e para lá dela.

No conjunto do trabalho do autor, Close Up relaciona-se de perto com outras obras que nos convocam muito directamente à experiência da visão. Telescópio (1999), instalação onde a imagem de células cancerosas observadas ao telescópio era ampliada ao ponto de formar uma imagem astronómica é a esse título emblemática. A instalação agora apresentada no Appleton Square situa-se na mesma linha de muitas peças de Miguel Palma que têm na qualidade performativa e mecânica dos corpos a sua máxima expressão. E é manifesta também a sua afinidade com uma das características de muitas das obras do autor: a valorização da imagem e dos dispositivos técnicos que, tornando-se visíveis na prática da instalação, promovem uma estreita articulação entre a escultura e imagem.

Sandra Vieira Jürgens

Link: www.appletonsquare.pt/exposicoes/miguel_palma/mpalma_1.html

Galeria Baginski: Miguel Palma – Wishful + Thinking

(Original: Sandra Vieira Jürgens, Falácia do Desejo. Texto curatorial da exposição Miguel Palma: Wishful + Thinking na Galeria Baginski. De 4 de Maio a 4 de Setembro 2011)

 

Desde os anos 90, Miguel Palma transita entre suportes variados, estabelecendo diferentes estratégias artísticas na formulação de formas e objecto híbridos, que tem em comum o estabelecimento de uma relação muito particular e produtiva com a realidade e com o espectador. Através da combinação de materiais heterogéneos e da alteração ou transformação dos valores funcionais, culturais e simbólicos dos objectos, o artista revela aspectos da percepção e conhecimento do mundo, que envolvem o espectador num campo de possibilidades de leitura a diferentes níveis.

Esta individual com o título Wishful + Thinking, que Miguel Palma apresenta na Galeria Baginski não foge à regra e caracteriza-se por ser um percurso expositivo por entre um conjunto de trabalhos que constitui uma metáfora visual para a expressão da impotência e força da vontade humana, com múltiplas referências a um universo de experiências de construção de realidades paralelas (reais ou ficcionais, passadas ou visionárias), que o artista decidiu expressar metaforicamente no título desta mostra individual.

Diremos à partida que o pensamento projectivo, o fetichismo material e a falácia do desejo são os três principais eixos desta exposição. No primeiro espaço da galeria, à entrada, antes mesmo de ver o objecto central da exposição, defrontamo-nos com uma área onde se combinam referências escultóricas, plásticas e diferentes projecções de situações de sublimação idealizada, relacionadas com um modelo automóvel de características desportivas, o Lamborghini Countach, veículo de culto produzido em Itália entre 1971 e 1990.

Continuar a ler em: Sandra Vieira Jürgens, Falácia do desejo. Texto curatorial da exposição Wishful + Thinking de Miguel Palma na Galeria Baginski, em Lisboa. 4 de Maio > 4 de Setembro 2011.

Gustavo Sumpta: Primeira Lição de Voo Pobre não tem Metafísica

(Original: Sandra Vieira Jürgens, «Gustavo Sumpta: Sem Manual de Instruções», Texto de exposição de Gustavo Sumpta sobre a exposição «Primeira Lição de Voo Pobre não tem Metafísica», IN. TRANSIT #32, Porto, 2007).

A trajectória de Gustavo Sumpta ocupa uma posição singular no panorama artístico. Desde o começo ele manteve uma liberdade de actuação que se estendeu a campos como o teatro, o cinema e a performance. No campo das artes plásticas, goza igualmente de uma posição não canónica. A sua prática não se circunscreve a uma disciplina nem ao domínio dos suportes mais reconhecidos no meio e torna-se sempre esquiva a catalogações.

De entre os seus trabalhos, gostaria de me deter na performance, que pode considerar-se o seu veículo privilegiado de experimentação e um campo decisivo da sua produção artística. Gustavo Sumpta não é um performer imerso no campo da arte contemporânea, mas um criador visual que busca deliberadamente o plano performativo para resgatar a vitalidade e a energia da criação artística. A sua obra traduz experiências vitais, cumplicidades fluidas entre estados de desassossego e quietude, de tensão e prudência, que consistem em experimentar os limites, o peso e a leveza de uma relação sensível e intuitiva com o mundo.

Constantemente à procura de sentido, os seus trabalhos podem ser descritos como ensaios, ou formas de pesquisa que se desenvolvem processualmente na execução de um acto. Sempre presente no espaço, ele executa, segundo variações, deslocações e construções com recurso a um número mínimo de objectos – frequentemente papel, cartão, peças e tábuas de madeira. Sumpta relaciona-se de uma maneira activa com os elementos, promove a repetição dos gestos e é a partir da relação física e espacial que estabelece com eles que dá corpo a uma situação/conceito/ideia. Em alguns momentos promove a tensão como método de exercício, faz e desfaz uma dada construção, um corpo reage contra a acção de outro numa linearidade que é assegurada pela sucessão e resolução de eventos, cujo sentido não bloqueia o espaço imaginativo do espectador.

Em PRIMEIRA LIÇÃO DE VÔO POBRE NÃO TEM METAFÍSICA presenciamos uma performance: tábuas e cavaletes de madeira são deitados ao chão, procede-se à formação de equilíbrios instáveis, e alguns materiais cedem ao peso do corpo do artista… Estamos perante uma performance que é ao mesmo tempo uma instalação de imagens espacialmente expansivas, de fronteiras instáveis, de formulação plástica e escultórica, que permanecem como peças de exposição.

O espectador aguarda um espectáculo, mas avesso à normatividade Gustavo Sumpta propõe-se não aceder às convenções que regem a nossa experiência. Sem procedimentos de interacção com o público, favorece a criação de um espaço mental que é sempre difícil de descrever. O que mais surpreende em algumas das suas intervenções é o modo de actuar, marcado pelo domínio do tempo e do espaço, em que o artista revela um estado de concentração extrema, um procedimento meticuloso, que no entanto não comprometem a naturalidade de execução. São formas de experimentar a resistência, que expandem a sua arte e, teste mais difícil, questionam a resistência do público. E essa é uma medida de expansão que define bem a ambição de Gustavo Sumpta.

Continuar a ler: SVJ_GUSTAVO SUMPTA_IN TRANSIT 07

Ana Pérez-Quiroga: Diz que me amas

(Original: Sandra Vieira Jürgens, «Ana Pérez-Quiroga: Diz que me amas», Galeria Filomena Soares, Lisboa, 2002).

 

A ordem da necessidade e o princípio do risco são sem dúvida os aspectos mais marcantes da obra de Ana Pérez-Quiroga. Isto porque no seu trabalho, ao desmontar peça a peça as experiências pessoais e situações reais e performativas que desencadeia, a artista tem visado estabelecer em cada projecto uma relação de cumplicidade baseada na perspectiva do desafio partilhado: algo que tanto compreende a revelação de subtis transgressões como a recepção liberta de constrições moralistas. Estas características do seu trabalho estavam já enunciadas em Breviário do Quotidiano #1Excuse Me Could I Have a Blanket? (1999) e Breviário do Quotidiano #2 (1999), peças onde os diversos objectos triviais reunidos testemunhavam acções de furto empreendidas pela própria artista em diversos contextos; e pautavam também mais recentemente a sua peça Odeio ser gorda, come-me por favor! #2 (2002). Um trabalho onde a frase do título, inscrita nas múltiplas travessas de porcelana que compunham a obra, surgia irredutivelmente aliada à imagem do seu corpo. A reforçar os factores evidenciados acresce ainda esta qualidade biográfica da sua obra e a possibilidade sempre aberta ao estabelecimento de uma contínua interacção entre as motivações da razão singular e as perspectivas mais extensas da vivência universal.

Na presente exposição individual diz que me amas, dedicada ao universo dos afectos e das relações amorosas, é possível suster a presença de uma mais ampla e significativa combinação de direcções referenciais. À semelhança de anteriores trabalhos o registo mais privado permanece, aparecendo reflectido muito particularmente na estrutura labiríntica de pensamentos e alusões pessoais que ornamentam os cerca de quarenta pares de chinelos apresentados em para que me calientes por la noche. Todavia no conjunto da sua abordagem parece ganhar destaque o plano do domínio público e o sentido de uma apropriação objectual alicerçada nos efeitos do espectacular e do publicitário. A título de exemplo podemos referir o néon diz que me amas e a atracção popular amo-te, não te amo, máquina que a troco de moedas e de alguma persistência retribui ao jogador corações de peluche. Sem dúvida são estas formas que, ao exemplificar diferentes estratégias de exercício da atracção, visam mimetizar a própria dinâmica do jogo de sedução e desencadear, também pelo recurso irónico (bem patente em why not sneeze?), uma distanciação crítica face aos clichés da sua expressão ritual.

Continuar a ler: Ana pérez-quiroga_Diz que me amas_Filomena Soares_2002

Arquivo Contemporâneo. A Colecção de Ivo Martins no CAPC


(Original: Sandra Vieira Jürgens, «Arquivo Contemporâneo», 321 m2 – Trabalhos de uma colecção particular, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, 2001).  [Texto de apresentação da Colecção de Ivo Martins, uma exposição comissariada por Paulo Mendes].

 

Na série O Coleccionador de Belas-Artes (1970) António Areal apresenta-nos uma figura apagada num espaço discursivo dominado pelo gosto eclético e por padrões de consumo elitistas. Ao longo de todo o século XX a acção do coleccionador de arte foi frequentemente associada ao conservadorismo e a uma sensibilidade adversa ao carácter experimental das manifestações artísticas de vanguarda. O seu papel no mundo da arte seria implicitamente desconsiderado nas referências derisórias dos manifestos futuristas, já que o estatuto sacralizado das obras artísticas do passado e a valorização do conceito tradicional de arte seriam sustentados de modo semelhante pelos detentores de colecções privadas e pelas estruturas institucionais associadas à preservação dos cânones oficiais da arte: a Escola de Belas Artes, o Museu.

Continuar a ler:ARQUIVOCONTEMPORANEO_CAPC


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