Entrevista a Alexandre Pomar

(Original: Sandra Vieira Jürgens, Entrevista a Alexandre Pomar. In: Artecapital, Março 2008. URL: http://www.artecapital.net/entrevistas.php?entrevista=49)

ALEXANDRE POMAR, Crítico de Arte

Na entrevista que publicamos este mês, Alexandre Pomar, importante crítico de arte, fala-nos sobre si e sobre o contexto que o rodeia: a actividade jornalística, a imprensa, a política cultural, o contexto museológico, os seus artistas de referência e a actual conjectura nacional. Quando questionado sobre a intervenção dos agentes do meio artístico, Pomar acedeu ainda a expressar comentários às assumidas compatibilidades e incompatibilidades que pautam as suas relações.

P: Durante muitos anos foi crítico de arte do semanário Expresso. Que balanço faz desse período de actividade?

R: Comecei por escrever alguma crítica de arte no Diário de Notícias e foi a partir daí que fui convidado a ir para o Expresso. Lembro-me sempre que o que desencadeou a passagem foi uma sequência de quatro artigos sobre a exposição “Anos 40” dirigida pelo José-Augusto França, onde tomei uma posição de grande divergência quanto a diversos aspectos históricos, e o Cesariny, num inquérito, declarou que eram um bom ponto de partida para um esclarecimento. Além de achar que tive razão, a aposta no debate compensou, porque foi por isso que me convidaram a ir para o Expresso. Continuei a pensar que era assim que valia a pena escrever, com independência e frontalidade de opinião. Fui para o Expresso como coordenador da área da cultura e restava-me pouco tempo para escrever mais do que notas do roteiro. Durante cerca de dez anos fui tentando acumular as duas tarefas, mas depois nunca deixei de ser jornalista além de ser crítico de arte. Acho que essa situação me permitiu ter uma posição particular e às vezes mais confortável.

P: Em que sentido?

R: Permitiu-me manter uma maior independência profissional e pessoal face ao chamado meio da arte, e, de vez em quando, afastar-me do comentário crítico sobre as exposições, que pode ser uma rotina penosa, para me ocupar mais de questões de política cultural ou de acontecimentos culturais em geral. Por vezes, o panorama era ou é tão medíocre que se torna vantajoso não ter a obrigação de escrever sobre tudo e assim poder escapar a demasiadas zangas e cumplicidades. Como a minha posição era a de coordenador, e como havia vários colaboradores, tinha a hipótese de passar algum tempo a escrever menos sobre exposições e mais sobre política cultural. Essa alternância era vantajosa ao equilíbrio pessoal e evitava um desgaste demasiado rápido.

P: Como definiria a actividade de um crítico de arte?

R: Há diferentes itinerários e as definições variam. Penso que fiz um trabalho atípico e provavelmente fui o último que na área das artes plásticas trabalhou num jornal como crítico e como jornalista com contrato. Hoje isso terminou. Passou a existir um regime só de colaboradores, certamente com uma rotação mais rápida de pessoas, e nesse sentido a minha actividade não é exemplar nem típica. Aliás, fui parar à cultura e à crítica por acidente, a minha área de trabalho era a política e as minhas intenções eram políticas. Não foi uma escolha deliberada. Fui para esta área de castigo, e depois não me senti mal. Quando fiz tentativas de regressar à política foi já na proximidade da acção partidária, porque a independência do jornalista não significa neutralidade ou perda de direitos. É algo que se constrói e é reconhecida, ou não é.
Penso que a crítica na imprensa é um género jornalístico e existem apenas diferenças de dimensão, de fôlego, conforme os suportes e as ambições. Quando se escreve para um diário, um semanário, uma revista, mesmo para uma publicação especializada, é evidente que a certa altura se pode entrar no domínio do ensaio, eventualmente do ensaio dito universitário. As fronteiras são fluidas, não há esferas estanques e sempre foi possível circular entre elas, mas as exigências de legibilidade e rigor são as mesmas das outras áreas do jornalismo. A especialização não quer dizer obscuridade ou autismo, e escreve-se para o público que lê e não só para a bibliografia dos artistas. Aquilo que dá hoje uma razoável ilegibilidade aos textos críticos publicados na imprensa é que eles são directamente transportados de outras instâncias, sem atenção ao lugar onde se escreve: são textos próprios do trabalho universitário, à maneira do pequeno paper, ou seguem o modelo do texto para catálogo, não fazendo diferenças entre as várias funções. A crítica jornalística, incluindo a das revistas tidas por especializadas, e uma revista de arte continua a ser uma publicação jornalística, tem a responsabilidade de dirigir-se a um público, deve comunicar. Mas é difícil gerir hoje esse papel porque também é muito difícil definir o lugar profissional a partir do qual se escreve: tem de se responder a múltiplas encomendas e de satisfazer diversos clientes que têm naturalmente exigências diferentes. Há dificuldades na compatibilização dos papéis.

(…)

(Lisboa, 25 de Março de 2008)

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