Entrevista a Margarida Veiga

 

MARGARIDA VEIGA, Vogal do Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém

Margarida Veiga nasceu em Lisboa, onde se licenciou em Arquitectura. Da sua formação destaca-se também o Curso de Gestão das Artes (Columbia University) e um estágio na National Gallery (Washington). Actualmente é vogal do Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém. De entre o seu vasto currículo no domínio da gestão das artes, especificamente direccionado para as artes plásticas, merecem destaque os cargos que desempenhou: Sub-Directora do Instituto das Artes; Directora do Centro de Exposições do CCB; Assessora do Instituto Português de Museus e Vice-Presidente do Instituto Português do Património Cultural. Comissariou e co-produziu diversas exposições.

Nesta entrevista à ARTECAPITAL, Margarida Veiga aposta nas novas gerações e na abertura das instituições a colaborações e projectos externos. Crítica em relação ao acordo com Joe Berardo, a vogal do Conselho de Administração do CCB, exprime os seus receios face ao futuro da Instituição de Belém. Para a arquitecta, o dinamismo de qualquer museu ou centro de exposições depende de quem o lidera e dos aconselhamentos, bons ou maus, que possa ter.

Por Sandra Vieira Jürgens
Lisboa, 28 de Abril de 2006

 

P: Em termos gerais, como definiria as linhas de actuação desde que o Dr. Mega Ferreira assumiu a presidência do Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém?

R: Desde que o Dr. Mega Ferreira assumiu a presidência do Conselho de Administração da Fundação Centro Cultural de Belém definiram-se como objectivos prioritários conceber uma programação própria, organizar ciclos temáticos e eventos que, de alguma forma, tenham relações transversais permitindo pontes entre as diversas disciplinas e actividades artísticas, considerando as características do equipamento.

A ideia consistiu, desde o início, em relacionar as artes visuais, a criação musical, o cinema, etc, procurando encontrar temas e possibilidades nas relações que se estabelecem de forma natural nos diversos momentos artísticos e em períodos diferentes. Procurámos criar entre as várias disciplinas essa interactividade.

Não foi possível fazer isso desde o início, mas no desenrolar da programação deparámo-nos com uma série de projectos que poderiam ter essas várias vertentes confluindo para um projecto comum, o que para nós tornaria muito mais estimulante essa mesma programação. Aliás, os próprios artistas e criadores trabalham dessa forma, não se sabendo quais são as fronteiras do próprio trabalho, dos projectos experimentais, etc. Nada é estanque: das artes visuais, à música, ao cinema, à dança … Foi essa a estratégia que traçámos em linhas gerais para os dois módulos artísticos: Centro de espectáculos e Centro de exposições. Obviamente que isto não é linear. Há momentos da programação em que se podem estabelecer relações directas e outros em que é mais difícil. Todos sabemos por experiência que a duração de uma exposição não é a mesma que a de um espectáculo, mas não há dúvida de que, se forem ciclos bem estruturados, podem-se estabelecer várias pontes entre projectos. Este é um dos objectivos prioritários deste Conselho de Administração. Futuramente é eleger e seleccionar obras de artistas que marcaram o século XX.

P: Muita coisa mudou desde que tomou posse. O que pensa sobre o Acordo que foi assinado entre o Ministério da Cultura e Joe Berardo que definiu a fixação da Colecção em Portugal?

R: Tive sempre uma posição de defesa da Colecção Berardo para que ela permanecesse no país. Desde que ela passou do domínio privado para o domínio público, com a abertura do Museu de Sintra, sempre apadrinhei essa ideia porque achava que não havia nenhuma Colecção que cobrisse este período temporal, podendo dizer-se que é a única desta natureza que existe em Portugal.

Isto não quer dizer que a Colecção tenha que permanecer em Portugal a qualquer título. A ideia foi sempre – e fiz isso não só em relação à Colecção Berardo, mas também em relação à Colecção Capelo – trabalhar as Colecções por forma a aproximá-las do público não me preocupando muito o facto de estarem em depósito ou de pertencerem ao acervo. Durante oito anos, fui directora do Centro de Exposições do CCB e para mim não era importante que a Colecção estivesse em depósito ou fosse do acervo do CCB.

Importante era que a Colecção pudesse ficar em Portugal e ser uma base de trabalho, e um ponto de partida para a organização de exposições e eventos internacionais. Isso aconteceu durante um período, de uma forma bastante eficaz quer em relação à Colecção Berardo quer em relação à Colecção de Design. Tendo o espaço expositivo do CCB cerca de 8.000 m2 de área e existindo meios financeiros e humanos reduzidos torna-se evidente que devem existir colecções permanentes num espaço desta dimensão. Actualmente existem já em Portugal técnicos com formação específica na área de programação de exposições mas, há dez anos muito poucas pessoas detinham formação específica nestas áreas em termos de curadoria, aptas a programar espaços desta natureza.

Lembro-me de ter ido às primeiras reuniões no Guggenheim de Bilbau, quando este ainda estava em fase de projecto, falar com o Thomas Krenz em que estavam presentes, entre outros, o coleccionador Panza, cujos temas em debate eram negociações de entradas e saídas de colecções … E eu ia com um dossier debaixo do braço com umas plantas do edifício, mais umas coisas, e dizia: “Não temos colecções, não temos, mas possivelmente iremos ter.” Estava nos meus objectivos criar núcleos de colecções ou em permanência ou em depósito que permitissem ser o ponto de partida para intercâmbios internacionais, e colocar Portugal na rota desses circuitos. Houve sempre a intenção de que a Colecção ficasse em Portugal, mas o assunto merece ser analisado e ponderado.

P: Tendo em vista este Acordo, considera que as relações entre o poder político e as estruturas privadas de alguma forma se alteraram?

R: Há uma intenção a nível político e governamental de estabelecer uma relação mais próxima com a cultura, até porque o entendimento deste governo é que a cultura, a economia, o património, etc, devem ter uma ligação estreita. É um sintoma de modernidade, de desenvolvimento de um país, a relação entre o mundo empresarial e a cultura. Essas relações provocam também uma dinâmica urbana e vivencial, tornando as cidades mais atractivas aos vários níveis. Existe uma intenção clara dos governos em associar turismo cultural, iniciativa privada e pública por forma a que a sociedade se possa desenvolver em harmonia. Em termos de intenção e de princípio, não me parece mal.

Desequilíbrios do Acordo

P: Acha que foi um Acordo equilibrado?

R: Considero que não é um acordo equilibrado. Nestes assuntos deve ser ouvido quem de direito, quem está dentro das questões e a negociação é fundamental, pois os empresários tendem a defender as suas posições como lhes compete. Cabe ao Estado e às instituições moderar e ponderar quais as soluções que defendem e os interesses públicos para cumprir os seus objectivos, neste caso transferir uma colecção privada para a esfera pública. Acredito que uma negociação de ordem política e económica seja importante. A Colecção é valiosa e importante para Portugal, mas a negociação deve ser conduzida com inteligência, racionalidade e ponderação. Tenho dúvidas que se tenha seguido o melhor rumo.

Durante os oito anos em que trabalhei a Colecção procurei promover a sua internacionalização e também trazer a Portugal outras exposições ou colecções inéditas, proporcionando ao público o conhecimento de obras de autores nunca expostos até à data. A apresentação da Colecção Jacqueline Delubac do Museu de Lyon, foi exemplar. As relações entre a Colecção Berado e o Centro Cultural de Belém foram sempre muito cordatas. O novo acordo cria uma interrogação não fazendo prever neste momento, o que poderá acontecer num futuro próximo.

P: Uma das questões mais controversas é o facto de a Colecção ir ocupar todo o Centro de Exposições. Acha que foi encontrada a solução perfeita?

R: Não me parece que tenha sido encontrada a solução perfeita. Foi a solução possível, tendo em conta o interesse em que a Colecção permanecesse no país. Considero que o CCB funciona como um todo cultural, é um projecto com um objectivo definido e através do qual poderemos encontrar através da associação das diferentes áreas artísticas uma mais valia para o nosso público.

Preocupa-me que da apropriação de uma parte tão importante do CCB como o Centro de Exposições possa resultar alguma desarticulação. Estou muito apreensiva, como calcula.

P: Acha que o perfil da Colecção Berardo pode adequar-se à visão que o CCB tem do futuro?

R: Acho que a Colecção pode ser um ponto de partida. A Colecção detém uma peça de cada autor e foi criada com um determinado objectivo – o de ser um repositório de obras ou de movimentos, e das tendências da arte moderna e contemporânea. Mas, hoje em dia, não se constrói uma colecção desta forma. Eu não a coleccionaria assim. O Comendador Berardo foi aconselhado no sentido de construir uma colecção segundo critérios historicistas à semelhança de um compêndio ou de uma história de arte.

É evidente que, a meu ver, é um ponto de partida para o futuro. Não me parece mal. Se me disser que a Colecção preenche o CCB ou tem características que possam preenchê-lo: acho que não tem, acho que não tem. Fica muito aquém daquilo que deveria ser a colecção do CCB.

A Colecção deve ser actualizada, deveria ter permanentemente uma comissão de compras a adquirir obras contemporâneas para acompanhar os desenvolvimentos artísticos recentes, também o Núcleo de Arte Contemporânea comprado pelo Instituto de Arte Contemporânea com o CCB durante três anos deverá ser reanimado. Não se devem fazer interrupções para que a Colecção ganhe uma orientação. Por outro lado reforçar alguns núcleos importantes da Colecção Berardo seria também importante.

Com um bom aconselhamento, poder-se-ia melhorar substancialmente alguns dos núcleos da Colecção que têm uma certa coesão e um certo peso crítico. O núcleo Pop é muito significativo; o Expressionismo Abstracto é bastante interessante. Mas podia ser reforçado. Falta um bom Pollock de outro período. Preocupa-me aquilo que está a ser comprado neste momento, pois não sei que aconselhamento nem que orientação tem.

P: Acha que deveria haver maior transparência?

R: Acho que sim. Nós iniciámos as obras que consideramos importantes para integrar uma colecção. As integrações dos acervos ou das peças que devem fazer parte de um museu não podem ser tudo. Tem de haver alguém que defina o que é a Colecção, quais são as obras importantes que fazem sentido e que têm significado em termos artísticos durante os diversos períodos. Não elegemos todo o acervo. Existem peças em reserva que poderão sempre ser expostas noutro sítio porque não fazem parte do núcleo duro da Colecção. O dinheiro é do coleccionador que pode comprar o que entender. Se isso vai fazer parte do acervo, já tenho algumas dúvidas.

P: Não faria mais sentido repartir o espaço do CCB entre exposições nacionais bem como internacionais?

R: As exposições devem acima de tudo ser de grande qualidade. Obviamente que demos sempre particular importância aos artistas portugueses mas sempre numa perspectiva internacional.

P: Mas a Colecção do Instituto das Artes não está exposta? Porquê?

R: Não está exposta. Foi feita uma exposição na altura, para apresentação das peças que foram compradas ao fim dos três anos. Daí para a frente, não foi comprado mais nada porque não houve orçamento para isso. Parece-me que essa Colecção ou esse pequeno acervo de 60 peças – que tem algumas obras importantes, como a de Sam Taylor-Wood, uma das peças que esteve na Bienal de Veneza e que é uma peça muito forte – é muito importante. Aliás, as compras foram feitas passando pelo crivo das pessoas que faziam parte da comissão de compras e sempre ligadas à programação das exposições. Por exemplo, quando fizemos o Douglas Gordon comprámos e produzimos peças da exposição que integraram o acervo. Essa é uma maneira de coleccionar que, quanto a mim, faz muito mais sentido. Porque isso também conta a história e a orientação da própria instituição. Sabemos que qualquer museu no mundo tem a personalidade de quem está à frente desse museu.

P: O que é que invalidou a exposição da Colecção do Instituto das Artes?

R: A exposição não foi invalidada. A Colecção do Instituto das Artes (IA) está cá guardada e está cá sedeada, e faz parte de um acervo que é do CCB e do IA, sendo um dos núcleos para constituição do Museu de Arte Contemporânea no CCB. Só que não posso chamá-la, neste momento, uma Colecção. São peças que pertencem a um acervo mas que deviam ter continuidade, porque só assim é que a Colecção fará sentido. Tem de se ter um conjunto muito significativo de peças para depois se poderem apresentar em termos globais. Se não, não tem significado. Nós temos 60 peças, o que não é um Museu; é um pequeno acervo que, em si, pode ter umas tantas peças que se relacionam bem umas com as outras, mas que tem muitas outras que não fazem núcleos expositivos com coerência.

P: O problema é basicamente orçamental?

R: É também orçamental, mas passa pela definição de prioridades que havendo vontade política que Lisboa se torne num pólo artístico e tenha um acervo como deve ser. Não faz sentido que uma capital como Lisboa não tenha um acervo de arte contemporânea com algum significado. Ainda bem que existe a Fundação de Serralves no Porto mas não faz sentido que Lisboa esteja arredada dos circuitos.

Lisboa: à procura de um Museu de Arte Contemporânea

P: Pensa que poderá existir um desequilíbrio entre os 500 mil euros para a aquisição de obras e o facto de não se apostar noutras colecções, seja no Museu do Chiado seja nesta Colecção do IA?

R: Tenho algumas dúvidas relativamente à prioridade do Museu do Chiado vir a assumir um papel preponderante em arte contemporânea. O Chiado é muito a personalidade do seu Director. É um museu do Naturalismo, do séc. XIX. Não quer dizer que não façam uma programação ou apresentem um projecto contemporâneo de vez em quando, mas creio que deveria existir uma relação mais próxima com as colecções.

O Museu do Chiado passou a Museu de Arte Contemporânea e eu não entendo esta designação. Têm vindo a adquirir algumas obras contemporâneas e a constituir um núcleo mas… O espaço é extremamente exíguo para se poder aí implantar um museu de arte contemporânea. É um museu do Naturalismo e creio que se poderiam desenvolver projectos noutras áreas, como o Romantismo e o Simbolismo, exposições que nunca foram abordadas em Portugal. Há algumas exposições interessantes e não tenho dúvidas de que em termos contemporâneos também têm feito um trabalho interessante, mas porque o Director se interessa directamente. De facto, aquele Museu é muito limitativo em termos contemporâneos; nem sei se poderá crescer, o que em si mesmo se constitui como uma grande dificuldade em termos do crescimento das colecções.

P: Qual seria a solução para Lisboa? Que instituição teria essa função?

R: Acho que o CCB pode assumir essa função e que o Centro de Exposições, pelas suas características arquitectónicas e condições museológicas criadas ao longo dos anos que incluem novas reservas e espaços expositivos muito qualificados, tem todos os requisitos para ser o Museu de Arte Contemporânea de Lisboa. Neste momento, com a entrada da Colecção Berardo tudo se encontra por definir. Prevê-se o seu crescimento mas tudo dependerá do responsável pelas aquisições. Isso é claro. Uma das preocupações deverá ser a actualização do acervo até às gerações actuais.

Perfil museológico do CCB por definir

P: O Centro de Exposições do CCB vai ter um perfil museológico diferente. Qual será o papel de exposições mais pequenas e das que se dediquem à arte portuguesa?

R: Enquanto a Fundação não for criada, existe uma incógnita. A criação da Fundação implica uma Direcção e uma Administração constituída por cinco pessoas, duas das quais são da confiança do Comendador Berardo, uma é designada pelo Governo (e será Presidente), uma pelo CCB e outra pelo Estado português. Tudo depende das personalidades escolhidas. É uma situação complexa. O Comendador Berardo será Presidente honorário da Fundação, sem poder de voto, com um grande ascendente sobre a Fundação.

Se me perguntar se estou muito esperançada, neste momento, não lhe sei dizer. Nós tínhamos uma série de expectativas que ficaram congeladas.

Há que impor um certo modelo que tem de ser definido em termos conceptuais. Não se pode criar um modelo sem um programa museológico, sem um programa de exposições temporárias em paralelo que, complementem e dialoguem com a Colecção e que possibilitem leituras novas da própria Colecção.

Penso que a Colecção precisa muito de ser actualizada. É um núcleo que se constituiu durante um determinado período. Há que assumir as novas correntes, os novos protagonistas na arte contemporânea, os novos artistas que utilizam os meios mais diversos e que têm preocupações de variadíssima ordem. É indispensável ter o espírito do nosso tempo, senão daqui a uns anos, temos o mesmo problema. É fundamental que alguém consiga, junto desta nova instância definir as opções da programação com essas várias leituras.

P: Têm de existir colaborações de pessoas com visões diferentes? 

R: Claro. Um Museu desta natureza deve contar com colaborações diferentes. Pode ter um director que lhe dá um corpo e uma determinada orientação estratégica. Todos sabemos que os grandes museus internacionais são o que são porque tiveram personalidades importantes a dirigi-los. O MoMA é conhecido pelo Alfred Barr. Todos sabemos que há determinados personagens que imprimem um cunho especial aos projectos e neste caso específico a Colecção tem uma vertente muito forte vincada pelo seu director. O CCB deve ter uma Direcção forte mas deve também contar com curators, porque é um grande espaço cultural e expositivo e não uma pequena superfície. Não é um Kunsthalle. A determinada altura, convidei o Jürgen Bock para fazer o Project Room. E porque é que o convidei? Porque tem escolhas muito interessantes de determinados momentos artísticos contemporâneos que devem vir a público. São leituras pessoais que se calhar não estão nas minhas opções mais próximas, mas que interessam dar a conhecer.

P: Defende uma linha de comissários que sejam residentes?

R: Sim, seria bom. Há um corpo mínimo que deve existir e que define a orientação programática e/ ou do Museu. Existindo colecções permanentes recorrem-se aos conservadores. É importante ter um núcleo residente que trabalhe em colaboração com especialistas exteriores e que por sua vez poderão recorrer a outros especialistas em matérias mais específicas que completem o seu trabalho.

Trabalhar a longo prazo para internacionalizar

P: Como é possível perante este tempo em que temos de esperar para ver, planear a programação e a internacionalização das exposições? 

R: Estes compassos de espera dificultam a programação: organizar exposições internacionais em co-produção implica um trabalho a dois, três e quatro anos. Exposições em que participem artistas vivos também acarreta um período de pelo menos um ano para a sua produção. A interrupção no programa de exposições em curso provoca uma ruptura que só é retomada após alguns anos de trabalho continuado.

P: Quais considera serem as condições seguras para uma instituição ter uma programação de qualidade? 

R: Primeiro que tudo, é fundamental haver estabilidade, política e organizativa. Qualquer programação de qualidade deve ser orientada por técnicos competentes que organizem um programa a longo prazo com um orçamento sustentado. Para se ganhar um estatuto em termos internacionais, para se obter o respeito e o interesse das outras instituições, há que demonstrar que temos as mesmas capacidades, que falamos a mesma linguagem, que organizamos exposições da mesma envergadura e que conseguimos cativar o interesse dos artistas pela instituição. Só através de um trabalho muito continuado se pode construir uma programação de qualidade.

P: Tendo em conta as várias exposições que se montaram a partir da Colecção Berardo, há capacidade para se funcionar a nível internacional, fazer com que o CCB alcance a internacionalização tão desejada desde a sua criação? 

R: Considero que sim. Continuo a receber projectos de instituições internacionais com quem trabalhei há muitos anos. É através das redes pessoais que se estabelecem que se vai ganhando credibilidade ao longo dos anos.

Serviço educativo

P: Em termos de público, o CCB tem alguns sucessos. Daquilo que se conhece dos números, a Colecção Berardo suscitou tanto interesse na altura em que estiveram cá núcleos? Pensa-se no aumento dos públicos? 

R: Há um trabalho de fundo ainda a realizar pois a Colecção encontra-se em depósito no CCB há dez anos, mas o núcleo fundamental está sediado no Museu de Sintra. As obras em depósito no CCB são utilizadas para várias exposições. Organizamos a grande exposição da Colecção em 1996, que cobre o período do pós-guerra até aos anos 80. Depois, recuou-se historicamente até às vanguardas e, quando a colecção foi exposta no CCB apresentava já essas componentes. Actualmente, se a exposição fosse apresentada de uma forma cronológica, só teria uma mais valia em termos educativos, se relacionada com obras de outros acervos.

A Colecção poderia ter uma forte vocação educativa, o que seria sem dúvida muito importante para o ensino artístico. A apresentação da Colecção deve ser complementada com exposições temporárias, novas produções, co-produções. Só assim é possível adquirir uma personalidade própria. Tudo isso faz parte de uma dinâmica contemporânea. O Museu não é estático.

Há que apostar nas gerações mais novas com investimentos menores, proporcionando o acesso dos criadores aos circuitos museológicos, porque, além de mais, é relativamente fácil de coleccionar nessa área. Podem correr-se alguns riscos mas não custam milhares de euros ou milhões de dólares. Comprar um Picasso não é a mesma coisa que comprar um Douglas Gordon ou qualquer artista contemporâneo. Correr riscos, fazer apostas, ir comprando algumas peças para colmatar algumas falhas da Colecção são objectivos a definir, mas que desde já defendo.

Desconhecimento dos circuitos internacionais

P: Qual a leitura que faz do panorama artístico?

R: As instituições em Portugal estão muito fechadas sobre si próprias e é muito saudável que haja a possibilidade de se trabalhar com curators internacionais. Isso é usual noutros países e a própria entrada dos curators portugueses nesses circuitos é essencial, pois só produzindo e trabalhando nos circuitos se pode organizar co-produções. Se estamos a trabalhar numa área relacionada com Arte e Arquitectura, vamos encontrar vários especialistas noutros países e através de parcerias podem trocar-se experiências e conhecimentos. Tem de haver um trabalho de fundo. Acho que há uma certa falta de conhecimento, para não dizer outra coisa, dos circuitos, das apreensões e preocupações dos curators.

Dou aulas num curso de curadoria e encontram-se nas novas gerações, estudantes interessados em investigar e a contribuir para o alargamento dos circuitos. Penso que há muita gente muito interessante e interessada. Há gente muito capaz.

P: O que é que falha? 

R: Falha uma organização sistematizada. A percepção do que é este tipo de trabalho – de todo este processo de construção de um museu, das exposições, da importância que isso tem em termos culturais.

P: Acha que há uma espécie de monopolização ou falta de diálogo, onde não é possível entrarem novas gerações? 

R: Não acho fácil. Não existem muitos espaços de programação, há poucos museus, os espaços de programação temporária (kunsthalles) são escassos … Os dirigentes têm a ideia de se fechar dentro da instituição: “sou director de um museu, tenho um curator ou dois e vamos fazer tudo. As instituições devem abrir à comunidade e aceitar projectos de curadoria exterior, colaborar com as Universidades para renovação das dinâmicas.

Espaço aberto para novos talentos

P: Em termos do curso de curadoria, há lugar para tanta gente formada em curadoria, quando temos tão poucas instituições? 

R: Lugar e instituições são poucos. Hoje em dia, os alunos procuram trabalho muito diverso e não é preciso serem imediatamente curators. Alguns trabalham na àrea educativa, outros no estudo das colecções, outros em projectos de investigação e outros ainda na edição de textos ou realização de catálogos.

P: Especula-se que vai ser a Directora do Museu Colecção Berardo…

R: Acho que seria muito bom abrir um bom concurso nacional e internacional em que as pessoas se pudessem candidatar definido o perfil do candidato. Estou certa que existem em Portugal profissionais qualificados com capacidade de gerir um museu ou um centro de exposições. Abrir um concurso a nível nacional e internacional seria saudável. Mas antes do concurso haverá que definir o programa do Museu, pois o director artístico deverá cumprir objectivos previamente estabelecidos.

P: Seria um desafio importante para si? 

R: Para mim, seria um desafio importante? Como calcula, já fiz isso durante muitos anos. Dependerá muito de como as coisas evoluírem. Não está muito nos meus objectivos voltar a ser directora do Centro de Exposições. Neste momento, não tenho dados que me levem a formular uma opção.

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Original: Sandra Vieira Jürgens, “Entrevista a Margarida Veiga” in  Artecapital, Maio 2006. URL: http://www.artecapital.net/entrevistas.php?entrevista=7

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